quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Memórias de Adriano


a pergunta é: quantas vezes irei, ainda, reler este livro? a pergunta é: se o voltar a ler, o que me trará de novo, que nova riqueza me deixará no colo?

cada livro fala de acordo com a idade, a experiência e a envergadura cultural do indivíduo que o lê. eu li Memórias de Adriano pela primeira vez, teria 22 anos e lembro ter fixado imagens, pedaços de texto que, na altura, foram significativos.

agora ao reler, foi com dificuldade que encontrei essas passagens, foi com alguma surpresa que outras se fixaram e me estimularam. lembro muito bem uma frase, "Não me lembro de outro dia mais ardente, nem de noites mais lúcidas", lembro que esta frase andou comigo até, eventualmente, a minha memória deixar de conseguir reconstrui-la correctamente. foi-me difícil achá-la nesta leitura, quase não dava por ela. o que este livro significou para mim aos 22 anos, encontra um pálido eco no caminho dos 50.

esta opção de reler, uma opção consciente de quem percebe que o tempo é, de facto, o principal dos recursos escassos, por outro lado, abre novas perspectivas, novas interpretações e obriga a novos raciocínios e reflexões.

não é o quão bem escrito está, não é tratar-se de uma biografia romanceada muito bem escrita. é tudo isso e o feliz sucesso de abordar a humanidade do ser humano naquilo que tem de heróico e trágico, excepcional, mesquinho e transcendente. é a minha explicação para o mistério desta obra.

é difícil não enfrentarmos as nossas questões existenciais, é difícil recusar um julgamento, um exercício de autocrítica ao fundamental da nossa vida, às nossas opções, aos nossos sucessos e às nossas perdas.

este livro tem a particularidade de funcionar como um espelho onde, é forçoso! nos revemos involuntariamente.

cada homem tenta ser rei e senhor da sua vida e um dia exerce um julgamente sobre si mesmo... e mais tarde chega à conclusão de que esse julgamento não tem, nem nunca teve importância. É o tempo, é a vida definida por um gráfico "de três linhas sinuosas, prolongadas no infinito, incessantemente aproximadas e divergindo sem cessar: o que o homem julgou ser, o que ele quis ser e o que ele foi". mas essa consciência da inutilidade objectiva do julgamento não desculpa a ausência de uma ética de conduta, de uma filosofia de vida.

um dia talvez volte a reler este livro e, tenho a certeza, vou descobrir mais.

Memórias de Adriano
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apontamentos sobre as Memórias de Adriano
Autor: Marguerite Yourcenar
Tradução: Maria Lamas
Edição: Ulisseia,
uma chancela Babel