quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

quando saíres

quando saíres,
não te esqueças da roupa tão desnecessária,
não perturbes o meu sono com o teu olhar intenso,
não passes a tua mão esquecida pela nudez do meu cabelo,
não deixes um bilhete que eu não queira ler.
que não me acorde o silêncio dos teus passos.

para o João e o Ricardo

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

hécuba

cruzo os intervalos da chuva para ver.

na praia, sózinha,
ali está a cadela que uiva às ondas,
correndo pelo areal,
sem fado e sem futuro,

os seus lamentos,
por tudo o que perdeu,
casa, filhos, esperanças,
pensamentos,

na metamorfose possível,
oiço o grito que me inspira,
atiro-me às vagas,
para conseguir o esquecimento.

depois olho-me vazio,
a cadela e o mar,

com prazer, a chuva leva-me,
lágrima

domingo, 19 de dezembro de 2010

desassossego

sentia-me assim.
terminei um livro e fui escolher outro.
peguei no livro do desassossego e comecei a ler.
algumas páginas depois de ter começado, percebi:
sentia-me desassossegado.
eu escolhi o livro ou o livro escolheu-me?!
só depois de começar a ler coloquei um nome no que sentia.

mais à frente li:

"Que desassossego se sinto, que desconforto se penso, que inutilidade se quero!"
Fernando Pessoa disse

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010


há que saber quando é melhor estar calado e ouvir
quando é melhor o silêncio.
superior ao grito, ao murmúrio, ao sussurro, ao choro e ao lamento

há que saber quando o olhar tem um significado definitivo
quando diz o que a boca não quer
e trai
quando olha e recusa ver

há que saber a linguagem da mão dada livremente
primeiro passo, primeiro palavra, primeiro sinal

Há que saber que o cheiro também sabe
E se sabe bem é porque cheira

Há que saber o segredo dos sentidos

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Puzzle


Amarrota a alma e o corpo
Intenso odor do pinhal
Cheiro a terra verde
Entra pelo mar
Ístmo estreito e delgado

domingo, 31 de outubro de 2010

A jusante


mergulha o olhar na transparência da água,
flutua
deixa-te possuir pela carícia fluída.

ir em direcção ao mar, a jusante do ser,
onde já não há realidade,
possibilidade talvez?
certeza nenhuma!

vão esforço, prescrutar o futuro...
onde só existe ser e passado.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O Labirinto das Trevas


para quem leu “O Quarteto de Alexandria” e se deixou conquistar por uma história que é sucessivamente recontada, recriada, relembrada e reinventada a 4 vozes, em outras tantas novelas, a saber, Justine, Baltasar, Mountolive e Clea, para essa pessoa, a leitura de “O Labirinto das Trevas” pode deixar sabor a muito pouco.

após anular conscientemente esse efeito habitual, em que uma obra se estabelece como referência, com a qual todas as outras obras do autor são comparadas, “O Labirinto das Trevas” pode surgir como uma obra curiosa, uma pequena pérola com um sabor a fim de guerra, fim de época, que nos leva a reflectir sobre a nossa própria época e renova as questões essenciais sobre o propósito e o alcance da nossa vida individual e colectiva.

o labirinto é um símbolo arquetípico muito forte que remete para a procura iniciática em direcção à luz e ao renascimento, após um percurso cheio de escolhos e trevas. alguns alcançam o centro, outros alcançam a saída, outros ficam pelo caminho, perdidos nas opções que fizeram, certas ou erradas, perdidos na recusa de enfrentar esse caminho em direcção à iluminação.

neste livro, Lawrence Durrell faz-nos acompanhar o percurso de algumas personagens, cada uma com a sua história, que durante uma visita a um labirinto em Creta sofrem as consequências de uma derrocada e ficam aprisionadas no seu interior. assim, aquilo que não passava de uma visita turística ao labirinto (comparável aqueles momentos em que fazemos um esforço por enfrentar as nossas questões essenciais, esforço que abandonamos, tantas vezes, pela dificuldade de enfrentar/aceitar a nossa realidade) transforma-se numa procura de respostas para aquela situação extrema.

alguns não conseguem por incapacidade ou recusa, outros fazem-no com muita dificuldade e custos pessoais, outros alcançam, por sorte, a saída ou atingem o centro oculto do labirinto, ou seja, um conhecimento de si próprios que oferece alguma dimensão de resposta e de paz.

neste livro além da elegância da escrita de Lawrence Durrell há a sensação de quem trata de coisas sérias com um enganadora ligeireza. após ler O Labirinto das Trevas, fica a pergunta sobre se atingimos o cerne da questão e fica a certeza de que não é preciso entrar num labirinto real para reconhecer as fronteiras do nosso prórpio labirinto interior e a sua porta de entrada.

"O Labirinto das Trevas"
Autor: Lawrence Durrell
Tradução: Miguel Serras Pereira
Edição: Ulisseia
uma chancela Babel

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Memórias de Adriano


a pergunta é: quantas vezes irei, ainda, reler este livro? a pergunta é: se o voltar a ler, o que me trará de novo, que nova riqueza me deixará no colo?

cada livro fala de acordo com a idade, a experiência e a envergadura cultural do indivíduo que o lê. eu li Memórias de Adriano pela primeira vez, teria 22 anos e lembro ter fixado imagens, pedaços de texto que, na altura, foram significativos.

agora ao reler, foi com dificuldade que encontrei essas passagens, foi com alguma surpresa que outras se fixaram e me estimularam. lembro muito bem uma frase, "Não me lembro de outro dia mais ardente, nem de noites mais lúcidas", lembro que esta frase andou comigo até, eventualmente, a minha memória deixar de conseguir reconstrui-la correctamente. foi-me difícil achá-la nesta leitura, quase não dava por ela. o que este livro significou para mim aos 22 anos, encontra um pálido eco no caminho dos 50.

esta opção de reler, uma opção consciente de quem percebe que o tempo é, de facto, o principal dos recursos escassos, por outro lado, abre novas perspectivas, novas interpretações e obriga a novos raciocínios e reflexões.

não é o quão bem escrito está, não é tratar-se de uma biografia romanceada muito bem escrita. é tudo isso e o feliz sucesso de abordar a humanidade do ser humano naquilo que tem de heróico e trágico, excepcional, mesquinho e transcendente. é a minha explicação para o mistério desta obra.

é difícil não enfrentarmos as nossas questões existenciais, é difícil recusar um julgamento, um exercício de autocrítica ao fundamental da nossa vida, às nossas opções, aos nossos sucessos e às nossas perdas.

este livro tem a particularidade de funcionar como um espelho onde, é forçoso! nos revemos involuntariamente.

cada homem tenta ser rei e senhor da sua vida e um dia exerce um julgamente sobre si mesmo... e mais tarde chega à conclusão de que esse julgamento não tem, nem nunca teve importância. É o tempo, é a vida definida por um gráfico "de três linhas sinuosas, prolongadas no infinito, incessantemente aproximadas e divergindo sem cessar: o que o homem julgou ser, o que ele quis ser e o que ele foi". mas essa consciência da inutilidade objectiva do julgamento não desculpa a ausência de uma ética de conduta, de uma filosofia de vida.

um dia talvez volte a reler este livro e, tenho a certeza, vou descobrir mais.

Memórias de Adriano
seguido de
apontamentos sobre as Memórias de Adriano
Autor: Marguerite Yourcenar
Tradução: Maria Lamas
Edição: Ulisseia,
uma chancela Babel

sábado, 31 de julho de 2010

Handel - Apócrifos

não foi a sua voz que o prendeu.
primeiro ouviu-a e depois foi-lhe apresentado num serão em casa dum desses nobres de que já nem o nome recordava. la bombace, disseram.

vitória deu-lhe o braço e arrastou-o para o jardim. ele contou-lhe o principal da sua vida e ela sorria e trauteava uma canção napolitana...

ela brincou com os seus dedos e ele corou. beijou-a por impulso. talvez o primeiro e último impulso para um beijo na sua longa vida. gostara de a beijar e gostara do seu riso fresco de soprano. iria compor uma ária para ela, uma ópera...

nos seus encontros intermitentes ele amou-a como se fosse a sua última oportunidade e fixou cada detalhe do seu corpo para que as memórias fossem mais vivas, mais exactas.

houve paixão, mas não ouve amor e isso é triste.

muitos anos depois ainda ia buscar inspiração para as suas árias de amor em vittoria tarquini,

you cannot do nothing about it


there is a fragment of you in me
there is a fragment of me in you

deep, very deep in the heart
where the environment is moist
it makes everything grow
slowly, so slowly

you didn't notice
when the seeds were planted
with ease and unconsciousness

yet, they are there
growing as a whisper

and there is nothing you can do about it

terça-feira, 27 de julho de 2010

Portugal: os Números


o nosso país não é conhecido pela qualidade das suas estatísticas. quando toca à interpretação das que existem, tantas vezes surgem as dúvidas, às quais nem o INE fica imune.

este livro de Maria João Valente Rosa e Paulo Chitas procura analisar um conjunto de dados estatísticos disponibilizados através da Pordata e desenhar um perfil de indicadores sobre as tendências sociais em Portugal, no período entre 1960 e a actualidade.

para além de informativo e rigoroso, trata-se de um livro didático que explica com definições e explicações simples os conceitos utilizados em estatística, por exemplo: saldo migratório,índice sintético de fecundidade, saldo natural,etc.

percebemos o que se passou com a população portuguesa nos últimos 50 anos: porque passámos de 8,9 milhões para 10,6 milhões, porque é que a população parou de crescer de maneira significativa. percebemos como evoluiu a situação da mulher na sociedade, a relação entre casamento e divórcio, o número de filhos por casal. ficamos a saber algo mais sobre saúde, justiça, trabalho, rendimentos, etc.

é um livro que, tratando de números, não tem a aridez que se costuma colar a esta temática. aprende-se a conhecer mais alguma coisa do país ao ler este livro.

e não posso deixar de salientar que, tratando-se de um livro de grande qualidade, tem um preço que, diria, é simbólico: 5€.


Portugal: os Números
Autores - Maria João Valente Rosa e Paulo Chitas
Edição da Fundação Francisco Manuel dos Santos
Coordenação Editorial - Relógio D' Água Editores

domingo, 25 de julho de 2010

e-mail I


não disseste nada. estava à espera das tuas notícias.
podias ter aparecido. seria uma surpresa e poderiamos apreciar a noite sentados na varanda e falando sobre tudo. excepto sobre nós!

porque não valeria a pena falar sobre nós. nós - não existe! não nesse sentido que ultrapassa a mera partilha de algumas horas, alguns dias, alguns gostos e alguns desapontamentos. quando falo de nós falo de uma unidade... essa unidade não existe.

sendo assim, podemos seguir em frente e encarar o resto da vida com a esperança de uma nova oportunidade em alguém que, de facto, não será nenhum de nós.

mas...

soletra-me o teu nome ao ouvido
em voz baixa, letra a letra
para que o fixe para sempre e
quando o ouvir novamente
reconheça que o tempo já passou.

terça-feira, 20 de julho de 2010

deserto verde


deserto
deserto verde
esperança
contradição nos termos
as ruínas de tempos passados, vivos,
de viagens pelo deserto,
de mim,
dos outros,

flor do deserto,
flor solitária,
vives da pequena humidade da noite
combates a aridez dos dias
sobrevives,
mas, de facto vives,
num deserto verde,
permanente esperança,
permanente contradição.

domingo, 18 de julho de 2010

Egoista



o meu olhar penetra o teu e é assim que te leio a alma.
mas preciso lamber-te, tocar-te e cheirar a tua pele para conhecer o teu corpo,

e é do teu sabor que me alimento
e é o teu calor que me deixa vivo.

não falo de amor
não falo de paixão

falo de precisar de ti para me conhecer, para ser feliz,
para ter prazer

egoista, egoista, egoista

um rapaz à janela


na costa da escócia virada para a irlanda existem várias ilhas, as hébridas.entre elas, mull, iona e staffa.

partimos da cidade de oban - famosa pelo excelente whiskey - pela manhã e atravessamos de ferry para mull e num outro para iona. o mar está calmo e embala o barco. as gaivotas acompanham o nosso percurso, em voo ou descansando no convés.

iona é uma ilha muito pequena. lembro-me de atravessar duas ruas e um caminho até à abadia. as casas são cinzentas e o ambiente é um pouco agreste, mesmo no pino de agosto.

de súbito olho para uma casa e vejo um rapaz à janela. terá uns seis anos. está concentrado a jogar.

penso nas oportunidades que este rapaz terá, ali em Iona, uma ilha minuscula. sinto-me sufocar, tomado pelo pensamento de que poderia ser eu o rapaz à janela, criado naquela ilha de uma beleza agreste e sem as confortáveis ofertas da grande cidade.

fiquei especado a olhar o rapaz. tirei-lhe uma fotografia. ele deve ter pressentido algo, porque levantou os olhos do jogo e o seu olhar encaixou no meu. sorriu.

foi como se tivesse aberto as portas do seu mundo para me mostrar. pelo sorriso percebi que era feliz na ilha e que crescer ali não queria dizer nada. poderia ser tudo o que quisesse, ali ou noutro lugar. e o mar não seria obstáculo, antes a corrente que o acompanharia sempre.

senti-me cheio de preconceitos e mesquinho - tirar conclusões sem conhecer.

ás vezes basta um sorriso para se compreender tudo.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

alucinação


lisboa, cidade vazia.

dois gatos pretos, entram lado a lado no teatro nacional de são carlos e com o seu andar felino, dirigem-se ao palco. o cenário é de um branco imaculado, pautado por duas estruturas transparentes: dois cubos no centro do palco. os gatos sobem para cima dos cubos e posicionam-se frente a frente, sentados sobre as patas traseiras. começam a cantar. quando terminam a função agradecem os aplausos esfuziantes de uma plateia vazia.

um louco, vestido com grande formalidade toca dulcimer na esquina da rua da misericórdia com o largo de camões. à sua frente, pousado no passeio, está um chapéu alto cheio de moedas. o louco canta e a sua ária é um pensamento sobre a alma. as pessoas que passam por ele indiferentes, subitamente encantadas pelo som, fascinadas, param e dirigem-se ao chapéu alto de onde tiram uma ou duas moedas. Em pouco tempo o chapéu fica vazio. Depois as ruas ficam vazias. O louco termina a sua ária, arruma o dulcimer no estojo, coloca o chapéu alto na cabeça, endireita o laço e começa a descer a rua do alecrim em direcção ao rio.

em alfama, a alma percorre as ruas sem destino, lamentando a sua cegueira. veste de branco: é uma noiva... veste, tecido com as teias de mil aranhas que gentilmente carregam a cauda.

nas portas do sol uma pequena orquestra executa uma melodia intimista. os músicos envergam roupas ligeiras e confortáveis. a audiência está sentada em cadeiras especialmente colocadas ali para o efeito. estão a gostar da melodia e agitam os pescoços para a esquerda e para a direita ao sabor da música. no fim da actuação, os músicos agradecem e as pombas dão ao bico aplaudindo intensamente após o que levantam voo numa debandada geral.

no convento do carmo uma gárgula chora, lamentando os anos que tem estado aprisionada. chora pequenos seixos que caem no passeio e vão rolando rua abaixo...

de súbito todos os sinos de lisboa começam a tocar ao mesmo tempo. A música parece fazer eco nas ruas da cidade. há uma certa ansiedade trágica. os cães escondem-se, nos ramos das árvores os pássaros calam-se e as estátuas da cidade, animadas, movem-se na direcção do som.

a alma dorme no rossio. um pianista de fraque toca uma melodia que a faz sonhar. subitamente este deixa o piano e penetra o sonho da alma... toma posse do sonho, agita a alma, prende-a com as notas da melodia. a alma sorri. o pianista desaparece no sonho e o piano fica esquecido na praça.

junto à estação dos restauradores um jovem faz bolas de sabão. as bolas ao subirem, no seu percurso, envolvem e levantam para o ar tudo aquilo em que tocam. uma levantou um banco da rua, outra um automóvel que estava estacionado na berma, outra levantou um homem. tudo vai subindo em direcção ao céu, dentro das bolas de sabão.

no cais do sodré um grupo de donzelas com vestidos primaveris e coroas de flores na cabeça executam uma coreografia em honra do “senhor”. a rainha das flores canta uma melodia harmoniosa. o “senhor” torce o nariz, o seu olhar perde-se no horizonte do rio pontuado por embarcações que vogam ao deus dará. o “senhor” faz um gesto e as donzelas evaporam-se, uma a uma, no tempo que passa. a última a desaparecer é a rainha das flores que ainda tem tempo para terminar a canção.

na sé, o orgão toca. não existe ninguém para ouvir o concerto. junto ao orgão nota-se uma distorção temporal com a vaga forma de pessoa, mas é tão insubstancial que a realidade passa apenas pelo teclado que transpira com frenesim e por uma ligeira depressão no banco do organista. o som choca com as paredes nuas da sé, com os túmulos abandonados nas capelas da rotunda, antes de convergir num ponto central da catedral e, formando jactos iluminados, sair pela porta e espalhar-se sobre a cidade, num fogo de artifício diurno.

uma perspectiva aérea. a câmara foca a av. da liberdade até ao marquês de pombal e depois o parque eduardo VII, no topo do qual a alma canta com o optimismo da inconsciência. braços abertos, gestos largos, cheios de movimento e fluidez, marcada pelas grandes opas que cobrem os seus braços. a ária irradia luz e calor... a oriente surgem as primeiras nuvens...

sábado, 3 de julho de 2010

escolhas


na teoria das vidas paralelas, podiamos agora estar em viagem e seriamos donos do mundo. seriam várias viagens: uma por cada grande escolha que fizémos na vida.

teriamos tido oportunidade de viver outras vidas, teriamos conhecido outras pessoas, teriamos adquirido outros conhecimentos e teriamos amado de outra maneira.

como seria ter vários eus a passear por aí, na mais perfeita independência dos nossos constrangimentos, dos nossos compromissos, das nossas culpas.

as vidas paralelas existem em nós. por cada pensamento "como seria", estamos a viver nessa outra dimensão irmã do sonho.

é uma forma de ultrapassar a frustração, uma forma de lamber as feridas adquiridas ao longo do caminho e uma forma de renovar a esperança.

a esperança em que novas escolhas sejam as mais acertadas.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

vou dizer-te porque somos amantes




vou dizer-te porque somos amantes

somos amantes porque vivemos o desejo sempre que nos vemos
um desejo que, além da expressão corporal,
tem por base os encontros de olhares
a coincidência dos sorrisos
o toque
e a rigorosa gestão da respiração
pelo meio de silêncios e de palavras.

somos amantes porque se assim não fosse
eu não gastava o teu corpo na minha imaginação
fazendo as coisas que se fazem aos corpos em tais circunstâncias:
um beijo, outro beijo, uma caríca, outro beijo.

somos amantes porque no meu coração
estão todos os beijos que não te dei
todos os gestos que não fiz e que ainda
percorrem o éter livremente

se não fossemos amantes
estariamos obrigados a fazer tudo diferente,

a dizer amo-te todos os dias da semana
independemente do tempo e da vontade.
usariamos amo-te, da mesma forma que gastariamos os corpos em uniões nem sempre sentidas

acabaria por ser triste não sermos amantes

mas porque somos amantes
podemos sempre renascer um no outro,
refazer a nossa história, decidir para onde ir, qual o caminho a tomar.

porque somos amantes podemos amar sem o constrangimento da obrigação
sem esperar retribuição
acordar num outro amanhã
apostar na certeza de que estarás aí, eu aqui
para nos encontrarmos sempre.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

O Monte dos Vendavais (Wuthering Heights) por Emily Brontë


da primeira leitura conservo a atmosfera, a intempérie, a paisagem agreste que faz as personagens agrestes; um sabor a antigo, a emoções intensas e impiedosas.

tinha uns 13 anos quando li O Monte dos Vendavais de Emily Bronte pela primeira vez. Gostei muito.

o amor de Cathy e Heatchcliff constitui uma estranha forma de pensar, sentir e viver esse sentimento. trata-se de um Amor que não procura a felicidade, antes a vingança e a satisfação dos instintos mais mesquinhos. é um Amor predestinado, irrecusável e que se perpetua e realiza na destruição dos seus sujeitos. parece a antítese do Amor. mas o Amor de Cathy e Heathcliff é imortal, pois mesmo depois da morte existe uma promessa de amanhã. por isso, talvez, O Monte dos Vendavais continue hoje a ter leitores.

relendo-o, recuperei algumas das sensações da primeira leitura, mas não a surpresa. recuperei o fantasma de Cathy, enunciado à janela, pedindo para entrar, recuperei a crueldade de Heatchcliff, a força da obcessão que o consome. revi Ellen Dean sentada à lareira, cozendo e narrando a história, com o distanciamento de quem tem consciência de que a sua culpa não é de pouca importância. e Mr. Lockwood ajudando-nos a nós, os visitantes, que por um motivo ou por outro chegamos ao Monte dos Vendavais e temos que privar com personagens tão humanas e tão rudes.

sobretudo, permanecerão duas imagens: Cathy à janela pedindo para entrar; Cathy e Heathcliff reunidos depois da morte, percorrendo o monte em noites de vendaval.


O Monte dos Vendavais (Wuthering Heights)
Emily Brontë
edição: Relógio d'Água
tradução: Maria Franco e Cabral do Nascimento
prefácio de Hélia Correia

sábado, 19 de junho de 2010

Uivemos, disse o cão. - Livro das Vozes (em Ensaio sobre a Lucidez de José Saramago)

"Quando Joana Carda riscou o chão com a vara de negrilho, todos os cães de Cerbère começaram a ladrar, lançando em pânico e terror os habitantes,..."

assim começa, com uma das mais belas imagens da literatura portuguesa, o romance A Jangada de Pedra, de José Saramago.

não era muito simpático. tantas vezes transparecia uma imagem de altivez e arrogância, mas quem o conheceu contradiz todas essas opiniões, construídas a partir de uma imagem pública.

mas nada disso interessa agora. o Homem morreu e as suas personagens estão finalmente libertas da única voz que as podia verdadeiramente explicar. são livres para crescer ainda mais e impregnar o nosso imaginário.

Joana Carda não será uma dessas personagens e porém, tomou conta da minha imaginação que a transformou numa mulher com poderes, uma feiticeira, matriarca, representante da mulher mais despida de futilidade e mais repleta de natureza. com um risco no chão feito com um pau de negrito, Joana Carda, se não é responsável, é a causa primeira de tudo o que vem depois.

que dizer de Baltasar e de Blimunda - como se descobre, como se revela o nome Blimunda, como se junta duas metades pelo nome, Baltazar, Blimunda e se inventam novos tristão e isolda, romeu e julieta... que dizer do Amor em Saramago? um sentimento que, nos seus livros, é um sentimento aparentemente frugal, despido de sensualidade, de emoção, de intensidade? Não sei interpretar, terei de procurar mais.

mais que de personagens, um escritor de ideias - ideias que reflectem valores e princípios, quer directamente, quer através de imagens e de alegorias, pela positiva e pela negativa.

na sua morte, as homenagens, o ritual da morte dos heróis e dos famosos.
todos queremos um pouco do banquete, uma relíquia...

em paz, com a sua ausência de deus, um exemplo de espiritualidade, de procura...
o seu espírito regressou ao universo, atingiu a plenitude, a permanência univeral.
ficam-nos os livros e a memória. as pessoas existem enquanto permanece a sua memória em nós, a sua voz.

foi mais uma voz que se calou.

para uns um familiar querido, para outros um parente que não gostamos de receber, para outros ainda, alguém que sendo da família, preferimos ignorar porque estamos de relações cortadas. foi uma voz que, quando falava, tinhamos obrigatoriamente que ouvir com atenção. uma voz como já há poucas, neste triste país, onde as vozes que interessam vão sendo substituidas por outras que não merecem a vibração que provocam no ar.

hoje, a clara ferreira alves publicou um texto no expresso que diz muito,... se é que não diz mesmo tudo.

e a propósito de amor - Pilar!

proposta de audição: requiem de maurice duruflé

sábado, 12 de junho de 2010

das estátuas


as estátuas são seres aprisionados, cuja sentença é permanecer imóveis até a pedra ceder e já não ser possível enganar o tempo e a eternidade.

a eternidade não é para as estátuas. a eternidade é um conceito vazio que sobrevive da consciência, cuja principal referência é o homem e cujo principal aliado é o tempo.

as estátuas são personalidades capturadas no tempo, obrigadas a um pensamento longo, paciente e profundo. não podem renegar o ser e a emoção, não podem recusar, não podem dizer não.

quando as olhamos retribuem o olhar, ou fazem que nos olham de volta com olhares, ora curiosos, ora sofridos, ora alegres, ora desesperados. mas as estátuas só conseguem ver uma realidade.

a sentença das estátuas é dura e inapelável. o seu único alívio reside nos momentos em que a porosidade da pedra se rende aos elementos e então, adquire alguma maleabilidade à custa dos pedaços que vai perdendo - uma doença da pedra, uma lepra anunciada.

mas é o seu carácter que realmente importa: a gárgula que olha sonhadora(?), contemplativa, o céu de paris, do alto de notre dame; a cabeça de olhar vazio de antínoo; a dor e o abandono da pietá rondanini; toda a biografia de marco aurélio na sua estátua equestre; o corpo ao vento da vitória de samotrácia; os colossos da ilha da páscoa; a interrogação no olhar do d. sebastião de lagos, de joão cutileiro.

as estátuas escondem segredos... as estátuas não escondem segredo nenhum.

os segredos estão no nosso olhar, no que queremos ver nas estátuas.

é a tridimensionalidade das estátuas que as faz mais humanas - é a nossa dimensão que, tantas vezes, nos faz duros como estátuas.

terça-feira, 8 de junho de 2010

castle howard






o silêncio é cortado pelo som dos passos na gravilha do caminho. o silêncio abre uma ferida seca, envolve o ruído que o perturba, fecha-se sobre ele, cicatriza e regressa na sua plenitude.

o ar é estruturado, possui uma dimensão pontilhista inescapável. sente-se respirar.

castle howard ergue-se com imperiosa certeza: da sua imponência, dos seus pergaminhos.

o mês de agosto é benevolente no yorkshire. o dia está nublado, a temperatura é tépida - apetece passear pelo parque!

o templo dos quatro ventos fica ali, depois daquele caminho. O mausoléu mais à frente, depois de se passar aquela ponte.

Quem quer entrar no palácio?

lá dentro, a guia... uma senhora com a dignidade facilmente associada a miss marple, diz-nos, a certa altura, num momento adequado, "foi mrs. howard que colheu as flores, hoje. - foi ela que fez os arranjos nas jarras dos vários salões. e que magnífico trabalho fez ela!"

cá fora no parque, um magnífico relvado estende-se até ao lago. vamos caminhar por ali.

tira uma fotografia - já estou com saudades! Mas ainda cá estás. É tão fácil ter saudades deste lugar,... mesmo estando aqui, ainda...

um pavão olha por uma janela - é compreensível! que tipo de ser prefere estar lá dentro quando é cá fora que o lugar existe verdadeiramente.

outrora uma orquestra tocava naquele lugar - junto à fonte de atlas! Sim, estou a ouvi-los tocar... os violinos, os violoncelos, os clarinetes, trompas para a caça, talvez um cravo...

vamos voltar?

sim, não. este é o tipo de lugar a que não se volta. simplesmente nunca saímos daqui.


(castle howard fica a cerca de 15 milhas a norte de york, em inglaterra. é a residência da famíla howard desde o séc. XVIII, quando foi desenhada por sir john vanbrugh para charles howard, o 3º conde de carlisle. o hon. simon howard a sua mulher e dois filhos habitam o palácio que foi cenário da série televisiva brideshead revisited. Mais informações em http://www.castlehoward.co.uk/

sexta-feira, 4 de junho de 2010

como eu te falo de sonhos


voltei a tocar-te,

algumas das minhas células vivas tocaram as tuas
e voltou a vontade

renasceu o desejo de estar contigo,
partilhar a emoção
e o mesmo momento de eternidade

não lembro a cor dos teus olhos,
não conheço o teu sorriso,
ignoro o timbre da tua voz.

uma paixão mal resolvida são todos esses pormenores
e mais
é o calar do silêncio,
a vibração do ar entre nós,
um gesto interrompido...

fala-me de ti como eu te falo de sonhos,
paixão!

deixa-me incendiar outra vez.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

500 Escolas

o governo anunciou ontem que vai encerrar mais 500 escolas.
a justificação é que turmas com menos de 20 alunos obtêm pior aproveitamento escolar.

na minha opinião, por trás da desculpa esconde-se uma questão exclusivamente económica: são menos professores, são menos instalações para manter, etc.

o resultado certo desta medida é mais um contributo directo para a desertificação do país. estas escolas não vão fechar em lisboa, porto ou na amadora, vão fechar em trás os montes, nas beiras, no alto douro, no alentejo e no algarve. no interior.

numa perspectiva optimista, podemos sempre esperar um futuro, a breve trecho, em que para além das praias do algarve e de pouco mais, podemos oferecer ao turista moderno, um pacote telúrico, com passeios guiados por um portugal deserto e arruinado. ficarão as ruínas, pois a marca do homem é sempre mais demorada a apagar.

mas estas questões não interessam a ninguém... talvez apenas interessem aos directamente interessados: às crianças que em maior ou menor grau são desenraizadas do seu meio e aos pais das crianças que vão ter de se acomodar. Mas estas pessoas não contam para nada...

vi a ministra da educação a justificar a medida na televisão e fiquem constrangido. a ministra, a quem não nego interesse e preocupação pelas crianças e pelos jovens, parecia constrangida, justificando o que parece não ter justificação. pareceu-me que a ministra não acreditava nas explicações que verbalizava. foi a minha leitura. devo estar a ler demais no rosto dos outros.

é um país triste, onde os pensamentos são tristes, as acções tristes e em que a esperança está totalmente desesperada!

Proposta de audição: ária "verdi prati, selve amene" da ópera de Handel Alcina

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Do Amor

gosto particularmente desta ária, originalmente da ópera Giulio Cesar - V'adoro Pupille.

v'adoro, pupille, saette d'amore,
le vostre faville son grate nel sen.
pietose vi brama il mesto mio core,
ch'ogn'ora vi chiama l'amato suo ben

quando procurava no you tube, encontrei esta versão com kiri te kanawa.
tenho lido sobre a dificuldade que é recuperar as obras do século XVIII, por forma a torná-las mais atractivas para os espectadores das grandes salas de ópera. cheguei à conclusão que na maioria das vezes há lugar para transposições arrojadas, algumas raiando o rídiculo, mas esta parece-me uma excepção. aparentemente trata-se de uma colagem de árias de handel numa produção chamada "the sorceress"

é uma versão que me parece muito interessante, quer do ponto de vista visual, quer da interpretação. prendeu-me exactamente o retrato do sentimento amoroso que passa na voz e na interpretação de kiri.

na ópera, é cleopatra que tenta seduzir júlio césar - no you tube pode encontrar-se uma versão áudio da ária por emma kirkby que, para mim, canta a composição exemplarmente -, mas nesta versão, a suposta feiticeira já está completamente apaixonada, sendo seduzida por ele e deixando-nos a sensação de que o sentimento do personagem masculino é distante, quase insensível.

muitas vezes debato comigo mesmo se a paixão/amor não é, em primeiro lugar e principalmente, apaixonarmo-nos pelo outro num exercício solitário, independentemente de tudo e de todos, contra tudo e contra todos, não interessando se somos ou não correspondidos.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Na quietude da noite

uma daquelas noites longas, quentes, transpiradas

uma noite em que apetece apanhar uma brisa à janela, ver e ouvir o ruido do mar - um mar susurrante, aluado num um caminho de prata

uma noite para uma longa conversa numa varanda... dois amigos desfiando conversas mínimas, tom baixo, falando do que foi e do que podia ter sido... o som fresco de latas de cerveja a serem abertas, de dois copos tilintando, pedras de gelo rolando lá dentro.

uma noite preparada para o silêncio de um passeio pela avenida deserta... braço dado, ombro contra ombro, cintura contra cintura.

uma noite de leituras com significado, uma noite de memórias escritas...

uma noite solitária, embruxada, solenemente povoada de memórias e de fantasmas.

uma noite de amor ou de sexo, em lençois escorregadios, corpos lustrosos e ofegantes, prazeres protelados, ligeiramente frustrados e mais tarde satisfeitos,

uma noite assim, fora de época, singular

uma noite suave

uma noite quieta, sem muitas palavras, com muitos significados

uma noite despida, esperando ser possuida

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Igualdade


hoje o presidente da republica comunicou ao país que não vai vetar a lei do casamento homossexual. participou que não vai vetar o que não é o mesmo que comunicar que aprova. porque de facto não aprova. está no seu direito.

se vivemos segundo princípios e se o princípio da igualdade é um desses que nos enche a boca, então a igualdade tanto se aplica a um casal hetero como homossexual.

não sei se é sinal de avanço civilizacional, mas inclino-me a crer que sim. no início do século 20 as mulheres não votavam e hoje continuam a construir a igualdade com os homens.

é contra a designação de casamento aplicado a um contrato entre duas pessoas do mesmo sexo que muitos se opõem... trata-se apenas de uma palavra que exprime um conceito que, como tudo na vida, está sujeito a evoluir.

o amor e a paixão não precisam do casamento para se realizar, mas o casamento precisa, de facto, de amor e paixão para ter significado.

domingo, 16 de maio de 2010

uma semana cheia


a visita do papa, o novo pacote fiscal...

o que de facto me impressiona com papa ou sem papa é o que move as pessoas a convergirem movidas pela fé. agnóstico como sou, vivo uma espécie de religião solitária que se manifesta no imanente e no invisível, nas pessoas e nas coisas, nos actos e nos pensamentos. a minha é uma religião educada no judaico cristianismo e por isso também por ela influenciada. reconheço uma entidade uma ordem, um príncipio, mas vivo essa crença sem necessidade de demonstração e aceito a liberdade de acreditar sem a necessidade de uma prova científica que o justifique.

a necessidade humana de convergir em actos de fé move-me, faz com que inusitado, surja aquele arrepio na espinha que me deixa perplexo. na raiz destas manifestações está o mesmo impulso gregário onde assenta o clube de futebol, a opção por uma cor política, um conjunto de valores e conceitos partilhados que fazem convergir consciências. não será tão simples, mas é com toda a certeza uma das manifestações mais humanas, mais emotivas de que o homem é capaz. destas manifestações também partem as grandes solidariedades e as grandes intolerâncias.

dias depois de diana de gales ter morrido, estive em londres por razões profissionais. tinha acompanhado na televisão as manifestações populares junto do palácio de Kensington e quis ver com os meus próprios olhos. fui lá. foi uma das experiências mais estranhas da minha vida. os jardins do palácio estavam cheios de pessoas de várias nacionalidades, etnias e credos, todas manifestando o pesar e a tristeza que lhes ia na alma... um homem dos seus 30 anos estava sentado na relva na posição de lótus, tinha uma vela acesa à sua frente e rezava (não sei se é a palavra correcta!)mantras. aquela foi uma das noites mais estranhas e inexplicáveis que vivi. foi igualmente a manifestação mais democrática que me foi dado assistir.
há momentos em que, de facto, não consigo duvidar da existência de Deus.


o pacote fiscal foi anunciado e mais uma vez a sociedade portuguesa "de brandos costumes" engoliu-o com um copo de vinho tinto, uma azeitona, uma procissão das . velas presidida por sua santidade Bento XVI e depois ouviu um fado enquanto planeava ir assitir ao final da taça de Portugal no jamor. Não arrotou, mas vai andar com azia durante largos meses.

é injusto, é iniquo, é escandaloso.
somos governados por uma classe carreirista que não tem o bem comum como principal objectivo, apenas os interesses partidários e pessoais. deviam ter vergonha,... mas não têm. Não há justificação para isto, mas há a certeza de que não irá melhorar.

há um novo tipo de escravatura dissimulada que se abate todos os dias mais um pouco sobre nós. há uma economia imoral que cada vez mais irá provocar estas bolhas especulativas. e não há quem compreenda e ponha um travão a esta ordem mundial que nos vai levar a uma catástrofe certa.

poderiamos começar por boicotar todas as iniciativas do nosso governo e afins. ninguém comparecia ás inaugurações onde pontificam os ministros, ninguém aparecia para ver o presidente da república fazer mais uma das suas semanas diferenciadas num recanto perdido do país. Ninguém dava a cara até ficarem a falar sózinhos e corarem de vergonha.

este pacote fiscal não teve origem nas últimas semanas, nem nos últimos meses. este pacote fiscal foi concebido quando os nossos governos começaram a pensar no presente e deixaram de pensar no futuro.

domingo, 9 de maio de 2010

Chama


Uma fotografia do Carlos Romana. Entre tantas, esta prendeu-me.

É um fotógrafo intuitivo, do tipo que dispara primeiro e pergunta depois...

Eu gostei desta.


Velas (me) ao vento
chamas
Doce calor
da voz interior
que dispara
um simples abraço
no momento
Chamas fugazes
perdidas no ar
Fé em sonhar

Sugestão de audição:Nocturno nº 2 em Mi bemol maior, Op. 9 nº 2

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Agir


Mais uma semana de economia, "rating", Grécia, Portugal, PEC, bolsa a cair,obras públicas,...

Questiono-me sobre o sentido de tudo isto - para onde vamos todos, escravos da economia, do capitalismo selvagem, da especulação.

Onde vamos encontrar a esperança de que precisamos para seguir com as nossas vidas, iludidos por um futuro de sucesso, por uma perspectiva optimista para os nossos filhos, uma perspectiva cada vez mais incerta.

E, no entanto, prosseguimos, um passo, outro passo e prosseguimos esgotando os nossos dias, tentando arranjar um sentido cada vez mais difícil de encontrar.

Olho a televisão e ouço os políticos: - É a hora de agir! - exclamam. Agir como, ao abrigo de que ética - um valor tão arredado da política.

Começamos a não acreditar nas boas intenções. Começamos a não acreditar e a procurar soluções... Será assim que nascem as revoluções?

Proposta de audição: - "Dopo notte, atra e funesta" (Anne sophie von Otter) - Handel - Ariodante

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Handel...mania

Ainda que não me fosse desconhecido, de facto, só desde os últimos seis meses venho explorando o mundo de Handel, principalmente as Óperas.
Deixo-me arrastar para um outro mundo onde a música e a voz tantas vezes se fundem e me arrastam para uma outra dimensão que por sua vez permeia o real e lhe empresta outros tons.

Existe um trio quase definitivo: bach, handel, vivaldi...

De facto, para a minha sensibilidade handel está no meio e reune perfeitamente as qualidades que apelam ao meu ouvido - quantas árias são, parecem, outras tantas canções que, se actualizadas, poderiam andar por aí a voar... Ainda bem que não andam!

Amado ou incompreendido...

O que interessa é o tempo de prazer que me proporciona - isso sim, é importante.

Devia ser um homem especial, devia ser um homem objectivo - só assim consigo compreender a sua produção musical, a rapidez e, no entanto, quanta beleza e sensibilidade e exaltação.