quarta-feira, 26 de maio de 2010

Do Amor

gosto particularmente desta ária, originalmente da ópera Giulio Cesar - V'adoro Pupille.

v'adoro, pupille, saette d'amore,
le vostre faville son grate nel sen.
pietose vi brama il mesto mio core,
ch'ogn'ora vi chiama l'amato suo ben

quando procurava no you tube, encontrei esta versão com kiri te kanawa.
tenho lido sobre a dificuldade que é recuperar as obras do século XVIII, por forma a torná-las mais atractivas para os espectadores das grandes salas de ópera. cheguei à conclusão que na maioria das vezes há lugar para transposições arrojadas, algumas raiando o rídiculo, mas esta parece-me uma excepção. aparentemente trata-se de uma colagem de árias de handel numa produção chamada "the sorceress"

é uma versão que me parece muito interessante, quer do ponto de vista visual, quer da interpretação. prendeu-me exactamente o retrato do sentimento amoroso que passa na voz e na interpretação de kiri.

na ópera, é cleopatra que tenta seduzir júlio césar - no you tube pode encontrar-se uma versão áudio da ária por emma kirkby que, para mim, canta a composição exemplarmente -, mas nesta versão, a suposta feiticeira já está completamente apaixonada, sendo seduzida por ele e deixando-nos a sensação de que o sentimento do personagem masculino é distante, quase insensível.

muitas vezes debato comigo mesmo se a paixão/amor não é, em primeiro lugar e principalmente, apaixonarmo-nos pelo outro num exercício solitário, independentemente de tudo e de todos, contra tudo e contra todos, não interessando se somos ou não correspondidos.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Na quietude da noite

uma daquelas noites longas, quentes, transpiradas

uma noite em que apetece apanhar uma brisa à janela, ver e ouvir o ruido do mar - um mar susurrante, aluado num um caminho de prata

uma noite para uma longa conversa numa varanda... dois amigos desfiando conversas mínimas, tom baixo, falando do que foi e do que podia ter sido... o som fresco de latas de cerveja a serem abertas, de dois copos tilintando, pedras de gelo rolando lá dentro.

uma noite preparada para o silêncio de um passeio pela avenida deserta... braço dado, ombro contra ombro, cintura contra cintura.

uma noite de leituras com significado, uma noite de memórias escritas...

uma noite solitária, embruxada, solenemente povoada de memórias e de fantasmas.

uma noite de amor ou de sexo, em lençois escorregadios, corpos lustrosos e ofegantes, prazeres protelados, ligeiramente frustrados e mais tarde satisfeitos,

uma noite assim, fora de época, singular

uma noite suave

uma noite quieta, sem muitas palavras, com muitos significados

uma noite despida, esperando ser possuida

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Igualdade


hoje o presidente da republica comunicou ao país que não vai vetar a lei do casamento homossexual. participou que não vai vetar o que não é o mesmo que comunicar que aprova. porque de facto não aprova. está no seu direito.

se vivemos segundo princípios e se o princípio da igualdade é um desses que nos enche a boca, então a igualdade tanto se aplica a um casal hetero como homossexual.

não sei se é sinal de avanço civilizacional, mas inclino-me a crer que sim. no início do século 20 as mulheres não votavam e hoje continuam a construir a igualdade com os homens.

é contra a designação de casamento aplicado a um contrato entre duas pessoas do mesmo sexo que muitos se opõem... trata-se apenas de uma palavra que exprime um conceito que, como tudo na vida, está sujeito a evoluir.

o amor e a paixão não precisam do casamento para se realizar, mas o casamento precisa, de facto, de amor e paixão para ter significado.

domingo, 16 de maio de 2010

uma semana cheia


a visita do papa, o novo pacote fiscal...

o que de facto me impressiona com papa ou sem papa é o que move as pessoas a convergirem movidas pela fé. agnóstico como sou, vivo uma espécie de religião solitária que se manifesta no imanente e no invisível, nas pessoas e nas coisas, nos actos e nos pensamentos. a minha é uma religião educada no judaico cristianismo e por isso também por ela influenciada. reconheço uma entidade uma ordem, um príncipio, mas vivo essa crença sem necessidade de demonstração e aceito a liberdade de acreditar sem a necessidade de uma prova científica que o justifique.

a necessidade humana de convergir em actos de fé move-me, faz com que inusitado, surja aquele arrepio na espinha que me deixa perplexo. na raiz destas manifestações está o mesmo impulso gregário onde assenta o clube de futebol, a opção por uma cor política, um conjunto de valores e conceitos partilhados que fazem convergir consciências. não será tão simples, mas é com toda a certeza uma das manifestações mais humanas, mais emotivas de que o homem é capaz. destas manifestações também partem as grandes solidariedades e as grandes intolerâncias.

dias depois de diana de gales ter morrido, estive em londres por razões profissionais. tinha acompanhado na televisão as manifestações populares junto do palácio de Kensington e quis ver com os meus próprios olhos. fui lá. foi uma das experiências mais estranhas da minha vida. os jardins do palácio estavam cheios de pessoas de várias nacionalidades, etnias e credos, todas manifestando o pesar e a tristeza que lhes ia na alma... um homem dos seus 30 anos estava sentado na relva na posição de lótus, tinha uma vela acesa à sua frente e rezava (não sei se é a palavra correcta!)mantras. aquela foi uma das noites mais estranhas e inexplicáveis que vivi. foi igualmente a manifestação mais democrática que me foi dado assistir.
há momentos em que, de facto, não consigo duvidar da existência de Deus.


o pacote fiscal foi anunciado e mais uma vez a sociedade portuguesa "de brandos costumes" engoliu-o com um copo de vinho tinto, uma azeitona, uma procissão das . velas presidida por sua santidade Bento XVI e depois ouviu um fado enquanto planeava ir assitir ao final da taça de Portugal no jamor. Não arrotou, mas vai andar com azia durante largos meses.

é injusto, é iniquo, é escandaloso.
somos governados por uma classe carreirista que não tem o bem comum como principal objectivo, apenas os interesses partidários e pessoais. deviam ter vergonha,... mas não têm. Não há justificação para isto, mas há a certeza de que não irá melhorar.

há um novo tipo de escravatura dissimulada que se abate todos os dias mais um pouco sobre nós. há uma economia imoral que cada vez mais irá provocar estas bolhas especulativas. e não há quem compreenda e ponha um travão a esta ordem mundial que nos vai levar a uma catástrofe certa.

poderiamos começar por boicotar todas as iniciativas do nosso governo e afins. ninguém comparecia ás inaugurações onde pontificam os ministros, ninguém aparecia para ver o presidente da república fazer mais uma das suas semanas diferenciadas num recanto perdido do país. Ninguém dava a cara até ficarem a falar sózinhos e corarem de vergonha.

este pacote fiscal não teve origem nas últimas semanas, nem nos últimos meses. este pacote fiscal foi concebido quando os nossos governos começaram a pensar no presente e deixaram de pensar no futuro.

domingo, 9 de maio de 2010

Chama


Uma fotografia do Carlos Romana. Entre tantas, esta prendeu-me.

É um fotógrafo intuitivo, do tipo que dispara primeiro e pergunta depois...

Eu gostei desta.


Velas (me) ao vento
chamas
Doce calor
da voz interior
que dispara
um simples abraço
no momento
Chamas fugazes
perdidas no ar
Fé em sonhar

Sugestão de audição:Nocturno nº 2 em Mi bemol maior, Op. 9 nº 2

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Agir


Mais uma semana de economia, "rating", Grécia, Portugal, PEC, bolsa a cair,obras públicas,...

Questiono-me sobre o sentido de tudo isto - para onde vamos todos, escravos da economia, do capitalismo selvagem, da especulação.

Onde vamos encontrar a esperança de que precisamos para seguir com as nossas vidas, iludidos por um futuro de sucesso, por uma perspectiva optimista para os nossos filhos, uma perspectiva cada vez mais incerta.

E, no entanto, prosseguimos, um passo, outro passo e prosseguimos esgotando os nossos dias, tentando arranjar um sentido cada vez mais difícil de encontrar.

Olho a televisão e ouço os políticos: - É a hora de agir! - exclamam. Agir como, ao abrigo de que ética - um valor tão arredado da política.

Começamos a não acreditar nas boas intenções. Começamos a não acreditar e a procurar soluções... Será assim que nascem as revoluções?

Proposta de audição: - "Dopo notte, atra e funesta" (Anne sophie von Otter) - Handel - Ariodante