quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

quando saíres

quando saíres,
não te esqueças da roupa tão desnecessária,
não perturbes o meu sono com o teu olhar intenso,
não passes a tua mão esquecida pela nudez do meu cabelo,
não deixes um bilhete que eu não queira ler.
que não me acorde o silêncio dos teus passos.

para o João e o Ricardo

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

hécuba

cruzo os intervalos da chuva para ver.

na praia, sózinha,
ali está a cadela que uiva às ondas,
correndo pelo areal,
sem fado e sem futuro,

os seus lamentos,
por tudo o que perdeu,
casa, filhos, esperanças,
pensamentos,

na metamorfose possível,
oiço o grito que me inspira,
atiro-me às vagas,
para conseguir o esquecimento.

depois olho-me vazio,
a cadela e o mar,

com prazer, a chuva leva-me,
lágrima

domingo, 19 de dezembro de 2010

desassossego

sentia-me assim.
terminei um livro e fui escolher outro.
peguei no livro do desassossego e comecei a ler.
algumas páginas depois de ter começado, percebi:
sentia-me desassossegado.
eu escolhi o livro ou o livro escolheu-me?!
só depois de começar a ler coloquei um nome no que sentia.

mais à frente li:

"Que desassossego se sinto, que desconforto se penso, que inutilidade se quero!"
Fernando Pessoa disse

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010


há que saber quando é melhor estar calado e ouvir
quando é melhor o silêncio.
superior ao grito, ao murmúrio, ao sussurro, ao choro e ao lamento

há que saber quando o olhar tem um significado definitivo
quando diz o que a boca não quer
e trai
quando olha e recusa ver

há que saber a linguagem da mão dada livremente
primeiro passo, primeiro palavra, primeiro sinal

Há que saber que o cheiro também sabe
E se sabe bem é porque cheira

Há que saber o segredo dos sentidos