quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

morte (de) velha


uma mulher com quase 90 anos foi encontrada morta em sua casa. estava morta desde 2002, caída no chão da cozinha, acompanhada por um cão, igualmente morto. só foi encontrada hoje.

eles são chamados de velhos, idosos, seniores, terceira idade, quarta idade. se não temos o azar de nos acontecer alguma coisa de definitivo que nos leve para outro horizonte, seremos idosos um dia.

as condições que a nossa sociedade proporciona aos idosos pioram. as condições que a sociedade proporciona às famílias para cuidar dos seus idosos são nenhumas. a vida não está para velhos, nem para novos.

como cuidar de um familiar idoso se temos que nos levantar todos os dias para ir trabalhar e estamos fora de casa, no mínimo, entre as oito da manhã e as sete da tarde. como cuidar dos idosos se temos que ir buscar as crianças ao colégio (para as quais temos pouco tempo!), trazê-las para casa, obrigá-las a fazer os trabalhos de casa, enfardar-lhes o jantar, deixá-las frente à televisão, porque assim não chateiam e metê-las na cama?

como cuidar de um idoso, o fim da linha, se não cuidamos dos filhos, se não cuidamos de nós?

porque neste vórtice a que chamamos vida, em que consumimos os dias, escravos da sociedade e de nós, não sabemos cuidar dos outros, filhos, pais, avós. as nossas prioridades estão invertidas e pensamos: um dia serei diferente, um dia vou parar, um dia, um dia... e quando o dia chega perdemos os filhos e perdemos os velhos. não sabemos cuidar de nós.

uma velha morreu no chão da cozinha de um apartamento da rinchoa. uma velha e um cão. foi notícia hoje e talvez ainda seja notícia amanhã. um dia destes, estes casos não serão mais uma notícia, mas algo habitual e já nem sequer estranho.

o ocaso da vida devia ser como um belo por-do-sol, não?

o sol desce sobre o horizonte inexoravelmente mas com uma calma sereníssima. mergulha espalhando cores e cores, tingindo o mundo em redor.

a velha que morreu na rinchoa não morreu só, morreu com um cão.

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